terça-feira, 12 de julho de 2016

Além de contar com profissionais oriundos de Santa Cruz, as usinas nucleares guardam outra coincidência com aquela térmica convencional: áreas que deram dor de cabeça em suas fundações por serem geologicamente inadequadas.

Santa Cruz foi construída sobre um pântano. Angra 1 e 2, em área de sismos.

Carlos Lacerda ao escolher a área de Santa Cruz para montar um de seus projetos de industrialização queria ocupar o “sertão carioca”, remover as favelas que estavam à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, Botafogo, Gávea e levá-los para Palmares, Vila Aliança, Vila Kennedy, Cidade de Deus e Padre Miguel. Um meio para fixar essas populações era levar o trabalho para a periferia.

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Ao se ler o livro comemorativo pelos 30 anos de FURNAS deparamo-nos com a cena da escolha do local por um dos diretores, pela sua própria discrição ao passar de avião sobre o local, depois de percorrer outros locais pesquisados. "Uma praia muito longa e recoberta de denso matagal.” (Flávio Lyra, diretor e vice-presidente de Furnas nos primeiros anos da Central Elétrica de Furnas.)
Voltou lá e disse a um de seus acompanhantes, apontando-a: “Aqui me parece ser o local adequado... Vamos vê-lo amanhã de auto...” Depois disto, montaram um relatório para fechar o assunto abordando sismologia, geologia, meteorologia, hidrologia, topografia e densidade demográfica que levou 18 meses para ficar pronto.

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"A escolha do sítio é particularmente cuidadosa. Os aspectos sísmicos e geológicos são objeto de exame profundo. Assim ocorreu, por exemplo, na seleção da área de Itaorna para Angra I. O relatório preliminar de segurança, aprovado pela CNEN acha-se baseado em estudos de firma especializada norte-americana e evidenciou a inexistência de qualquer falha geológica ativa na região." (Paulo Nogueira Batista, presidente da NUCLEBRÁS, em 25.05.1977, perante a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, sobre a escolha da Praia de Itaorna para a localização da CNAAA.)
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Um relatório elaborado pela Weston Geophysical Inc. de Massachusetts informa que "a região de Angra dos Reis já foi afetada por quatro abalos sísmicos, sendo que os epicentros dos dois últimos, ocorridos em 1962 e 1967, respectivamente, não distavam mais de 25 km da praia de Itaorna."
Há duas falhas na Serra da Bocaina, conhecidas como Natividade e Bairro Alto. Abalos sísmicos na região são conhecidos desde os tempos de D. Pedro II (em 31.07.1861 atingiu a escala de cinco a seis pontos Mercalli, valor idêntico ao ocorrido em 22.03.1967). Segundo o relatório da Weston, os sismos na região de Angra dos Reis são "de alta frequência e baixa e moderada intensidade."
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PÂNTANO DE SANTA CRUZ DÁ LUGAR PARA USINA QUE PRODUZIRÁ UM TERÇO DA ENERGIA GASTA NO RIO-8 DE FEVEREIRO DE 1965
(O GLOBO)
Onde há menos de um ano era um imenso pântano às margens do Canal de São Francisco em Santa Cruz, está surgindo a infraestrutura da usina termelétrica da Companhia Hidrelétrica do Vale do Paraíba (CHEVAP), que fornecerá para a Guanabara e regiões adjacentes a partir do primeiro trimestre de 1966, uma quantidade de energia equivalente a um terço da que é produzida atualmente pelas usinas da Rio Light, ou seja, 160.000 KW.
O engenheiro Camilo de Menezes, presidente da CHEVAP, que visitou as obras com a reportagem de O GLOBO, disse que para se ter uma ideia do porte da usina e dos benefícios que trará, basta lembrar que somente para a refrigeração das turbinas consumirá um milhão de litros de água por dia, com três tanques cilíndricos para armazenamento de óleo combustível numa altura equivalente a um edifício de dez andares, cada um. As indústrias que serão criadas em decorrência do fornecimento de energia pela usina proporcionarão 200 mil novos empregos, o que é um quinto das necessidades anuais do Brasil.
MIL ESTACAS
Já foram construídos no local meia dúzia de prédios rústicos para depósito de material, residência de alguns trabalhadores, escritórios das firmas empreiteiras e sede da Superintendência de Santa Cruz, da CHEVAP, dirigida pelo engenheiro Ivan Humberto Monte Marques. Foram montados geradores para fornecimento de energia para aduzir e mover o equipamento de purificação da água destinada ao consumo durante a construção e para iluminação.
Para que a usina tenha uma base sólida, estão sendo construídas no local mais de mil estacas de concreto e ferro, com 22 metros de comprimento, que são cravadas no chão. Cada estaca tem 60 centímetros de diâmetro e pesa 20 t.  Depois de concretadas nas formas de madeira, são pintadas com três demãos de tinta impermeabilizante, carregadas num “trolley” até onde serão fincadas, quando, então, um guindaste as levanta e coloca nos estaqueadores. No fundo do buraco de 32 metros é feita uma “sapata” de concreto e no nível do terreno, unindo as estacas entre si constrói-se um bloco de concreto de três metros de espessura, formando, então, a base de sustentação das turbinas. Cerca de 40% das estacas já foram cravadas.
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Temos um vício de cometer sempre os mesmos erros. O “TCU” norte-americano deu uma bronca na mal-versação de recursos usados no Brasil.
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AUTOCRÍTICA-23 DE MAIO DE 1965
(JORNAL DO BRASIL)
Extremamente desagradável para o Brasil, como País que se candidata ao desenvolvimento, é o relatório mandado ao congresso norte-americano pelo General Accounting Office, com críticas a 10 empresas brasileiras que receberam ajuda da AID. Mais de US$ 100 milhões, por falta de análise técnica dos projetos, má administração e outros subprodutos do nosso atraso econômico perderam-se de forma irreparável.
É uma ducha de água fria no nosso conceito e pede de nossa parte autocrítica franca e rigorosa. Além de sermos um povo na categoria dos que carecem de ajuda internacional para utilização de nossos recursos naturais em toda a sua plenitude, damos agora um atestado de imaturidade, esbanjando recursos de uma ordem de grandeza que nos diminui aos olhos de todos.
(...)
Diante do que houve não cabem explicações nem transferência de culpas. Compete-nos assumir a vergonha, apurar a responsabilidade e impedir que se repita o espetáculo de despreparo para a ambição do desenvolvimento, que não é uma atitude verbal, mas tem de ser uma realidade econômica, social e política.
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Sob o superintendente mencionado nesta notícia, transferido da Comissão de Energia da Guanabara, pairam dúvidas sobre a real quantidade de aterro que entrava nesta obra e aquilo que era definitivamente pago.
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A TERMELÉTRICA DE SANTA CRUZ COMEÇARÁ A FUNCIONAR EM 66-28 DE MAIO DE 1965
(O GLOBO)
(...)
LOCAL ADAPTADO
Por sua vez, o superintendente da construção, engenheiro Ivan Humberto Monte Marques, ao explicar o projeto da obra aos industriais, defendeu a iniciativa e respondeu às objeções contra ela levantadas. A observação de que o local, talvez, não tenha sido o mais indicado para a construção, visto que o estaqueamento é altamente oneroso, dadas as condições do terreno, respondeu que o local é, somente, um dos fatores que entram no planejamento da obra, e que, não obstante, a parte de estaqueamento representa, apenas, 10% do total do custo, pois está calculado em Cr$ 4 bilhões, mais ou menos, enquanto o valor total da obra é de 40 bilhões.
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Para completar nosso eloquente histórico, a Comissão Estadual de Energia do Estado da Guanabara queria fazer a sua usina nuclear nos terrenos encharcados de Santa Cruz:
CRISE DE ENERGIA NO RIO SÓ PODERÁ SER RESOLVIDA COM UMA CENTRAL PRÓPRIA-20 DE SETEMBRO DE 1967
(JORNAL DO BRASIL)
-Enquanto a Guanabara não tiver sua central termelétrica própria, o que poderia acontecer com a incorporação ao Estado da Usina de Santa Cruz, pertencente a Furnas, o problema de energia elétrica não será completamente resolvido, afirma o diretor da Divisão de Obras da Comissão Estadual de Energia, sr. Glauco Ferreira Lobato.
 (...)
USINA ATÔMICA
O grande sonho da Comissão Estadual de Energia é a criação de uma usina nuclear, em Santa Cruz, ao lado da que está por ser concluída, “o que traria para a Guanabara um aumento de 500.000 KW, além de torná-la autossuficiente na produção de energia”.
“Ela teria ainda outra finalidade: poderia ser utilizada como usina-piloto, para formar especialistas no assunto.” (Diretor de Obras da CEE.)

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